quarta-feira, novembro 18, 2015

O dia em nasci

Um dia parei pra pensar sobre o dia em que nasci. Podia dizer que nasci quando sai da barriga da minha mãe ou quando quase morri com alguns dias de vida por causa de intolerância ao leite materno. Pra mim o dia em que nasci foi quando tomei consciência de que eu era alguém e não somente um corpinho obediente de criança, foi quando eu percebi que eu era capaz de pensar e seguir os meus pensamentos e ter minhas próprias ideias, isso por volta dos 8 anos. Nunca fui de falar, nunca fui de reclamar, nunca fui de querer as coisas, eu era e o ser já era o bastante para mim. Eu nascia todos os dias um pouquinho. Eu nasci um dia quando minha vó Nininha ficou doente e foi internada, eu nasci quando meu pai operou da hérnia e eu não podia vê-lo e chorava como se não houvesse amanhã por causa disso, eu nasci quando minha mãe tinha crises renais e gemia de dor no quarto, eu nasci quando me contaram que eu teria um irmão, eu nasci quando minha vó foi pra Minas visitar os parentes e eu não entendia porque ela tinha me deixado, eu nasci quando eu descobri o que eram gatos e também foi essa a primeira vez que me apaixonei e continuo até hoje apaixonada, eu nasci quando recebi a notícia de que minha vó tinha morrido, depois nasci de novo quando minha outra vó morreu, eu nasci quando meu irmão se envolveu com drogas e deixou devastada a nossa família, eu nasci quando meu gato Vinícius sumiu, quando meu Dentes morreu, quando roubaram meu carro prata, quando eu levei o maior fora de todos os tempos, quando fui mandada embora, quando fui morar na Irlanda, quando voltei pro Brasil, eu nasci quando reencontrei o Paulo depois de tantos anos e ele sorria enquanto andava de patins. Eu nasço toda vez que termino um desenho, um quadro, quando dou minhas aulas e vejo admiração em alguns olhinhos. Eu nasço toda vez que olho pra minha Lolla, pro meu Nenem e pro meu Frank. O tempo todo estou nascendo e vivendo como se cada dia fosse o último dia e o primeiro.